segunda-feira, 10 de setembro de 2007

A Violência Simbólica do Cotidiano

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

O conceito de violência simbólica é utilizado por Pierre Bourdieu, sociólogo francês, ao referir-se aos sutis mecanismos de dominação e exclusão social, utilizados por indivíduos,grupos ou instituições, e impostos sobre outros. Tal conceito nos auxilia a compreender inúmeras situações do cotidiano em que tal forma de violência ocorre. Falaremos aqui especificamente da Televisão. Por sua própria estrutura e linguagem, a televisão é marcada por violência simbólica. Basta observarmos a rapidez com que as notícias são apresentadas, passando-se por exemplo, de uma situação que expresse miséria, guerras, chacinas, para uma situação de diversão, entretenimento, por vezes até, fictícia. Com a mesma expressão com que se anuncia a morte, anuncia-se o último capítulo da novela, o produto recém-lançado no mercado, o desfile do morumbi -fashion... Passamos a “chorar pela virtualidade” e nos tornamos passivos e apáticos frente `a realidade. A banalização da violência explícita é uma das piores formas de violência simbólica, e trata-se de um fenômeno corriqueiro no universo televisivo. Uma marcante expressão de violência simbólica na televisão está nas propagandas comerciais, que enaltecem a sociedade de consumo, impondo padrões de estética, de competitividade, de sucesso, de privacidade, de narcisismo, que fazem com que o cidadão seja reduzido ao papel de mero consumidor, sendo reduzida sua personalidade e sua visão de mundo. Tudo se torna mercadoria. O sexo banalizado exerce violência simbólica, especialmente sobre crianças e adolescentes, dos quais é retirado o direito de serem preservados em sua integridade física e psíquica. A televisão é um dos veículos que mais facilitam a disseminação dessa forma de violência, mas tem como cúmplices pais e professores. Falemos destes últimos. Recordamo-nos de uma professora do ensino fundamental que no ano 2000, organizava uma festa em comemoração aos “500 de Brasil”, programando uma apresentação de meninas coreografando a (felizmente já superada) “dança do tchan”. Observemos aí, a ocorrência de violência simbólica tripla: 1) comemorar 500 anos de Brasil implica (se tal comemoração não for discutida de forma competente) em negar toda a história de pré-colonização aqui existente; 2) a dança do “tchan” nega a possibilidade de valorizar a cultura brasileira em suas raízes históricas (o que um evento desta natureza deveria abarcar); e 3) este tipo de número expõe crianças a um erotismo precoce, do qual não podem se defender. A Escola também incorre em violência simbólica ao incorporar e refletir uma ideologia da igualdade das oportunidades, fundamentada numa visão liberal da educação como instrumento que garante o sucesso e a mobilidade social para todos. Desse modo, nega o fato evidente de que a Escola somente favorece aqueles que já são socialmente favorecidos. Além disto, nem sempre leva em conta diferentes modos de vida dos alunos, com suas diferentes bagagens culturais e desigualdades de classe. Conforme aponta o próprio Bourdieu, quando a Escola trata desiguais como aparentemente iguais, já está incorrendo em violência simbólica. E é exatamente assim que muitas vezes a Escola procede: desconsidera diferenças de classe, de cor, etnia, gênero, cultura - elementos que compõem a heterogeneidade da realidade escolar, como espelho da realidade social mais ampla. Quando a Escola ensina e avalia a partir de um único padrão, tomando o aluno a partir de uma única medida, o resultado é óbvio: vencem aqueles que já são privilegiados! Frente ao argumento de que a escola trata a todos de forma igual, questionamos: igual a quem? Quem são os “iguais” tomados como modelo de aluno pela escola e pelos seus agentes? Uma das mais contundentes formas de violência simbólica está no silêncio acerca das diferenças. No silenciar das diferenças constitui-se um paradoxo: as diferenças mascaradas e dissimuladas são tornadas desigualdades. Quando tratamos os alunos a partir de um modelo universal e abstrato – “todos iguais perante a escola” – negamos as diversidades que os representam e o direito de serem respeitados em suas diferenças. A criança universal/abstrata fundamenta-se num modelo/padrão de normalidade socialmente arbitrado, e necessariamente arbitrado a partir das relações de dominação e poder socialmente construídas. Negam-se as características e especificidades dos alunos como seres concretos. Um claro exemplo pode ser a forma como a Escola por vezes nega as especificidades étnico-raciais. Um tema-tabu para muitos professores despreparados, o preconceito e a discriminação racial favorecem a ocorrência de violência simbólica na sala de aula. Sempre que silenciamos as diferenças entre negros e brancos, quando dissimulamos a existência do negro, não mencionando sua presença histórica, tomamos como padrão o branco dominante. Nesse procedimento, o negro fica reduzido/submetido ao lugar de “não-branco”. Assim, acaba sendo identificado pela negação, pelo que não é, e não pela diferença do seu ser, pelo que é e representa etnicamente, historicamente e politicamente. Conseqüentemente, o aluno negro torna-se estigmatizado, submetido a uma forma perversa de violência simbólica, que é cotidianamente reforçada na sala de aula e, da mesma forma, pela televisão. Frente à televisão, também os professores tornam-se vítimas da violência simbólica por ela disseminada, transformando-se em seus cúmplices. Muitas são as situações em que as “barbaridades televisivas” são reproduzidas em sala de aula, não raro, com a aquiescência do professor. Tudo isso parece ser fruto de agentes sociais e educacionais alienados, que favorecem situações cotidianas em que se proliferam diferentes formas de violência simbólica. À verdadeira educação, à educação comprometida com a efetiva formação crítica e com a igualdade, cabe a desmistificação, a reflexão e a tomada de consciência ativa, promovida cotidianamente por pais, professores, educadores em geral.

Elizabete David Novaes
Dra. em Sociologia pela Unesp de Araraquara. Profa. de Sociologia na UNICOC-Ribeirão Preto (retirado in http://www.coc.com.br/sistema/jornalCOC/noticias.aspx?IdMateria=20120&IdSite=95